Existem muitos métodos para se escrever uma história. Cada grande mestre usa um processo diferente do outro, mas no fim eles são todos quase iguais. Esse post aqui é um denominador comum do processo de vários escritores diferentes pra você absorver a versão mais simples e eficiente de todas.
1.
Primeiro você precisa de um CONCEITO. Ideias são "boas" quando são diferentes das outras. Porque, se não forem, eu já vi isso antes. E se eu já vi isso antes, eu não preciso ver de novo. Sua ideia precisa se sobressair e pra ter certeza de que ela irá, o conceito por trás da sua ideia precisa ser
• Interessante
• Fácil de explicar
Como: "robôs alienígenas que se transformam em carros" (Transformers), "um boxeador desconhecido que ganha a chance de lutar pelo título" (Rocky), "rebeldes que lutam contra um império opressor no espaço" (Star Wars), "o FBI pede a ajuda de um serial killer pra pegar outro serial killer" (O Silêncio dos Inocentes), "7 esferas espalhadas pelo mundo tem o poder de realizar qualquer desejo" (Dragon Ball).
O conceito precisa ser simples, interessante e criar na imaginação das pessoas o potencial para uma história incrível. Precisa ser uma ideia tão boa que pode dar origem à inúmeras histórias diferentes. Mas só uma dessas histórias é a sua, então você precisa decidir qual história você quer contar dentro desse conceito.
2.
Qual é a da sua história? O que acontece nela? Sobre quem é? E por que alguém ia querer ouvi-la? Essas são as perguntas para definir qual é a TRAMA. Se tudo der certo, a trama é a prova de que o conceito era mesmo uma boa ideia. A trama deve extrair o máximo possível do conceito, fazendo da sua história uma história única.
O jeito mais fácil de definir qual é exatamente a história que você quer contar, é partindo da frase
"É SOBRE ALGUÉM QUE..."
E é claro que esse "alguém" pode ser uma mulher, um robô, um pneu... pode ser qualquer coisa. Mas a trama precisa ser sobre essa personagem fazendo alguma coisa. Histórias são sobre alguém fazendo alguma coisa.
3.
Quando você decidir qual é a história que você quer contar, você precisa definir essa história em uma frase. Essa frase é a LOGLINE.
Assim como no conceito (1), reduzir a sua história à uma frase é o melhor jeito de estabelecer exatamente de onde vem e para onde vai a sua história – e se ela é boa o suficiente para ser escrita. Se não for, mude algumas coisas até dar certo.
O modelo mais básico possível para uma logline é
ALGUÉM quer ALGO,
mas UM ADVERSÁRIO
o impede.
Um homem quer manter a cidade segura, mas o Coringa o impede (Dark Knight); umas pessoas querem relaxar na praia, mas um tubarão as impede (Tubarão); um robô quer salvar uma criança mas outro robô o impede (O Exterminador do Futuro 2); umas mulheres querem deixar de ser objetos, mas o Immortan Joe as impede (Mad Max: Fury Road); um encanador quer salvar a Princesa, mas não saber em qual castelo ela está o impede (Super Mario).
4.
A sua história começa com um conceito – "um gladiador desafia o Imperador de Roma" (Gladiador) – mas ela precisa ter um TEMA.
Alguém disse uma vez que todas as histórias são sobre Amor (Romeu & Julieta), Poder (Macbeth) ou Vingança (Hamlet). A Logline é a redução da sua história em uma frase, mas o Tema é a redução da sua história em uma palavra. Liberdade (One Piece), amizade (Toy Story), superação (Dragon Ball), sociedade (The Wire), relativismo_moral (House).
Histórias são uma coleção de eventos que, atribuídos de significado, representam uma verdade universal. Velozes & Furiosos não é um filme sobre carros. É um filme que tem carros, mas é sobre lealdade – é por isso que eles falam tanto sobre "família".
Pense em Chapeuzinho Vermelho, por exemplo. Essa não é uma história sobre uma menina numa missão de entregar doces. A roupa que ela usa, o vilão sinistro, a mãe, a avó, o caçador... tudo isso é só o marketing da história. Eles são os elementos que colocam os valores certos nos lugares certos pra simbolizar uma verdade universal ao redor de um Tema. Essa é uma história sobre obediência. A verdade universal é "se sua mãe falou pra não ir pela floresta, não vá pela floresta!"
Se sua história não é sobre alguma coisa mais duradoura, importante e atemporal do que o que acontece nela, a sua história pode ter problemas.
5.
O personagem principal é quem move a sua história. O PROTAGONISTA precisa tomar decisões sozinho, lutar para superar os obstáculos e mudar do início ao fim da jornada. Se ele for omisso, passivo e terminar sendo a mesma pessoa que ele era quando tudo começou, a sua história pode ter problemas.
Em O Poderoso Chefão, é o personagem do Al Pacino que DECIDE tomar o lugar do pai na família, ninguém ficou empurrando ou sugerindo essa posição pra ele. O personagem do Bruce Willis chama a polícia em Duro de Matar, mas é ele quem quebra a cara de todo mundo no prédio pra salvar o Natal. O Alex, em Laranja Mecânica, era um rebelde que foi mastigado pelo Estado, foi vítima da sociedade e finalmente se transforma num aliado do sistema – quem ele é no começo não é só o oposto de quem ele é no final, como os eventos que causam essa transformação fazem dele um personagem diferente a cada momento da jornada.
Seu PROTAGONISTA também precisa de falhas – tem coisas faltando dentro dele. E ele precisa de um desejo – alguma coisa que ele queira alcançar. Essas duas coisas, o desejo e a falha, tem que andar juntas.
O Luke, em Star Wars, quer ser um herói, mas ele só consegue vencer quando ele acredita no poder da Força. O Maximus, em Gladiador, só consegue vencer o Imperador quando ele desiste de simplesmente vingar sua família e luta para libertar Roma e transformá-la numa república. O personagem do Bill Murray, em O Feitiço do Tempo, só consegue viver o dia seguinte, depois que ele aprende a apreciar o dia de hoje. E o Batman só consegue pegar o Coringa, em Dark Knight, quando ele aceitar usar o poder de espionar todos os celulares de todas as pessoas de Gotham e virar o herói que Gotham precisa e não o herói que Gotham merece.
6.
O ADVERSÁRIO representa todas as forças contrárias ao herói – tudo o que impede o Protagonista de alcançar o seu objetivo.
Em Star Wars, o adversário dos heróis é o Império: um exército de Storm Troopers, várias TIE fighters, uns AT-ATs, o Darth Vader e o Imperador. Mas o primeiro Adversário do Luke é a realidade árida e sofrida de viver pobre num deserto, ouvindo o tio dele falando que todos os sonhos que ele tem vão pro lixo porque ele precisa ajudar na colheita.
O herói não só luta contra inimigos. Ele tem que superar adversidades. Tudo no universo tem que ir contra ele. Porque, se não, ele não tem nada pra fazer – se não, ele não é um herói.
As forças opositoras ao herói tem que ser um reflexo das falhas que ele tem: os Adversários do Protagonista precisam incorporar o que ele tem de errado. O inimigo dos Jedi são os Sith – os dois tem basicamente os mesmos poderes e as mesmas armas, mas uma filosofia completamente diferente. E é essa natureza ideológica que faz deles inimigos tão icônicos. Eles são a mesma pessoa indo para caminhos opostos.
O Harry Potter fala com cobras, sua varinha é a gêmea da varinha que o seu inimigo usa, e o Chapéu Seletor quer mandá-lo direto pra Sonserina: ele é igualzinho ao Voldemort. O que o separa do seu pior inimigo é que ele escolhe ser melhor. Ele escolhe não ser ruim.
Tudo o que separa os Jedi dos Sith é a força de vontade que faz com que eles não se entreguem às tentações de ódio e vingança. O vilão, o inimigo, o Adversário precisa forçar o herói a encarar as próprias falhas e corrigi-las. Porque, se isso não acontecer, ele vai ser tão ruim quanto aquele que ele tá enfrentando.
7.
Se você já sabe qual é o conceito, a trama o tema e já tem as forças opostas da sua história, você precisa encaixar isso tudo no lugar. A ESTRUTURA é a alma de todas as histórias e ela existe pra facilitar a sua vida e garantir que a sua história seja, de fato, uma história.
A Estrutura dita que uma história, idealmente, tem 3 atos, mas o segundo ato tem duas partes. Então você, na verdade, tem 4 atos:
I – apresentação
IIA – ação
IIB – reação
III – conclusão
E cada um tem uma função específica na história, que, condensadas numa mensagem mais clara e objetiva possível, seria:
I – as coisas precisam mudar
IIA – as coisas mudaram
IIB – as coisas ameaçam voltar a ser como eram
III – obstáculos são vencidos mudando as coisas para sempre
I.
No primeiro ato, o herói é só um fracassado. A vida dele é um lixo e ele sabe que tem que mudar alguma coisa, mas não faz nada, porque tem falhas que o mantém sendo como é.
Aí ele recebe um chamado e resolve levantar a bunda do sofá e tomar controle da situação.
IIA.
Na primeira parte do segundo ato, ele está simplesmente chutando bundas! Ele está arrasando, treinando duro e virando o grande herói que ele quer ser. Aqui é só felicidade e alegria, tudo dando certo e todo mundo curtindo adoidado.
IIB.
Mas na segunda parte do segundo ato, as forças do mal contra-atacam e aí o herói vê que a vida não é fácil e tudo o que ele fez no começo do segundo ato é inútil, porque ele é confrontado pelas falhas que ele tinha no começo da história.
Aí ele precisa encarar realmente o que tem de errado na vida dele e aprender uma dura lição pra mudar e vencer as adversidades. Quando tudo tá prestes a dar errado, ele descobre o que ele tem que fazer – e é isso o que ele faz no terceiro ato.
III.
O terceiro ato é uma mistura das duas partes do segundo ato. É uma mistura frenética de chutação de bundas e contra-ataques das forças do mal onde tudo é maior, mais rápido e mais intenso.
Aqui vale tudo porque nada pode ficar para depois. É aqui que as coisas acontecem de verdade.
Quando o herói vencer, ele tem que ter aprendido lições, conquistado coisas e se transformado numa pessoa diferente de quem ele era no começo. Ele pode ter se tornado uma pessoa melhor ou pior, mas ele precisa mudar ou mudar aqueles ao redor dele. Se isso não aconteceu, sua história pode ter problemas – volte e comece de novo.
Acho que é isso! Mais uma vez: esse é o guia mais básico que eu consegui escrever sobre esse assunto. Se você gostou, compartilhe com todo mundo, coma seus legumes e vai lá escrever.
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